Desde que os episódios especiais de celebração de 60 anos da franquia foram exibidos ano passado, eu me encontro cada vez mais perdido dentro do espetacular mundo do Doctor Who e sua mitologia única, que consegue unir o fantástico, o distópico, o bobo e o mundano de maneira que, no papel, não deveria funcionar, mas, quando em tela, funciona. E funciona muito bem.
Recém terminado de assistir a 6ª série da Era Moderna da franquia, decidi escrever um pouco sobre cada um desses conjuntos de episódios, como uma forma de "diário do capitão": refletir sobre as aventuras passadas antes de embarcar na próxima loucura espaço-tempo adentro.
Série 1
Depois de 16 anos de hiato, o Doutor voltou oficialmente às telas pelas mãos de Christopher Ecclestein como seu intérprete e Billie Piper como Rose Tyler, sua nova companheira de viagem. Com Russell T. Davies como novo showrunner da nova série, acredito que este primeiro ano foi bem mais experimental do que as séries subsequentes justamente porque a produção estava tentando estabelecer a base dessa nova produção.
Fazer uma nova audiência levar a sério um alienígena de mais de 900 anos de idade que possui dois corações e viaja através do espaço-tempo, visitando desde alguns dos momentos mais sombrios da humanidade, conhecendo emblemáticas figuras históricas, presenciar os alienígenas com o CGI mais feio e mais datado que eu já presenciei na minha vida é um desafio por si só, especialmente quando se considera o histórico de produções de Davies (antes conhecido por Queer As Folk).
Felizmente, Piper. Ecclestein e Davies conseguiram, com muito primor, dosar na maneirar certa o drama que consiga atingir o emocional do espectador (como em Father's Day, Bad Wolf e Parting of the Days), momentos cômicos que realmente arrancam uma boa risada do público (vide World War Three e The Doctor Dances) e explorar toda a capacidade artísticas de seus protagonistas ao longo de 13 episódios.
Embora Ecclestein tenha saído da série por motivos internos, e já tenha afirmado diversas vezes que não tem interesse em retornar à franquia, deixo aqui meu reconhecimento por todo o seu talento e contribuição ao retorno de uma produção tão icônica como Doctor Who.
Série 2
Se a primeira série moderna trouxe a evolução de Doctor Who, a segunda fez sua revolução.
Primeiro, a trocar de intérprete do Doutor, com David Tennant assumindo esse novo papel. Apesar dessa mudança, isso não parece ter afetado em muito a dinâmica que já existia na temporada anterior. Pelo contrário, acredito que Billie Piper tinha mais química com Tennant do que com Ecclestein.
Depois veio a introdução de Torchwood, uma organização secreta especializada na investigação de casos e tecnologias que possam representar uma ameaça à vida humana. Depois veio a reintrodução de Sarah Jane Smith, uma das mais icônicas companheiras da era clássica da franquia, para o público moderno. Posteriormente, tanto Torchwood como Sarah Jane tiveram suas próprias séries, sendo a primeira focada para um público mais maduro e a segunda para o público infantojuvenil, estabelecendo o chamando Whoniverse, o "Universo Compartilhado Doctor Who".
Junto a isso, tivemos a reintrodução dos Cybermen, outro grupo de antagonistas clássicos do Doutor, e, em um menor grau, a introdução do conceito de universos paralelos (e as explicações lógicas para esse conceito não ser tão utilizado abertamente pela franquia) e os episódios Doctor-lite, capítulos que, por motivos de agenda de gravação de outros capítulos, são focados em personagens secundários, com pouca ou quase nenhuma participação do Doutor e seus companheiros de viagem.
Em termos narrativos, a escrita sofreu um salto de qualidade considerável e conseguiu incorporar elementos fantásticos como lobisomem e o próprio Diabo à temática mais futurística pela qual a série é mais conhecida. Esse também foi o último ano de Rose Tyler como personagem regular, embora não seria a última vez em que Billie Piper voltaria para a franquia.
Série 3
Martha merecia muito mais. Eu poderia resumir esse terceiro ano do reboot com essa simples frase e deixar por assim mesmo, mas julgo ser necessário aprofundar mais esse pensamento. Embora, no papel, a ideia de um Doutor de corações partidos (não se esqueçam que ele tem 2 corações), mais relutante, não só a trazer mais alguém dentro da TARDIS, como também a se apaixonar novamente, entregaria uma dinâmica interessante entre os protagonistas, o resultado em tela foi aquém do esperado.
Na verdade, toda a ideia de um amor não correspondido, no fim, acabou prejudicando a Martha, uma protagonista que, diversas vezes, se mostrou bastante capaz de lidar com diversas situações, principalmente quando o Doutor não podia estar lá por ela (isso sem falar na sua importância durante os episódios finais desse 3º ano), mas a constante insistência dos roteiristas nesse ponto da narrativa acabaram por diminuir a credibilidade da Martha diante os fãs, o que é uma pena, pois, honestamente, eu prefiro mais ela do que a Rose.
Além disso, durante essa era moderna da franquia, Martha foi uma das poucas companheiras de viagem do Doutor, senão a única, que tomou a iniciativa de encerrar suas aventuras em seus próprios termos. Ela soube a hora de parar e de colocar o seu amor por sua família como prioridade, um sinal de maturidade, consciência e autopreservação, características que a diferenciam ainda mais dos demais companheiros do Doutor, daqueles que afirmam que querem viajar para sempre com ele, o que quase nunca termina bem.
E essa também foi a série que entregou, com unanimidade, um dos melhores episódios da franquia: Blink.
Série 4
Dizem que o melhor você deixa para o final. E foi exatamente isso que Russell e equipe fizeram nessa temporada. Primeiro, ele trouxe de volta a excelentíssima Catherine Tate para explorar todo o seu potencial, tanto cômico, como dramático, tornando Donna Noble uma das mais icônicas companheiras de viagem da era moderna da franquia, o que só contribuiu para seu então final ser ainda mais devastador (eu agradeço ao especial de 60 anos por ter resolvido isso, se não eu ia ficar em depressão pelo resto da vida).
Segundo, Steven Moffat, além de brincar com o instintivo medo humano da sombra e da escuridão, introduziu uma das personagens mais intrigantes e interessantes da era moderna da franquia: Dra. River Song, uma arqueóloga que viagem no tempo na ordem inversa à cronologia do Doutor. Isso quer dizer que o passado da River é o futuro do Doutor, o que é um conceito deveras interessante que é amplificado em tela por sua intérprete, Alex Kingston.
E, por fim, ele fez uma celebração de seu próprio legado ao trazer de volta quase todos os companheiros de viagem do Doutor da era moderna para uma última aventura em um dos finais de temporada mais sólidos da franquia. Na verdade, me atrevo a dizer que até mesmo os episódios menos memoráveis dessa temporada conseguem ser mais memoráveis do que muitos outros episódios dos anos anteriores, tamanho o empenho colocado por todo o time para encerrar a participação de David Tennant como protagonista com maestria.
Série 5 e 6
Steven Moffat, agora assumindo a posição de showrunner, decidiu utilizar da troca de intérprete do Doutor para fazer uma espécie de soft reboot da série, um novo ponto de partida da franquia que deixa de lado os eventos dos anos anteriores para dar um destaque a novas histórias e as novas estrelas do programa: Matt Smith, Karen Gillian e Arthur Darvill, além das aparições ainda mais frequentes de Alex Kingston, que certamente é a criação preferida do Moffat.
Embora dar sequência a um dos melhores arcos narrativos da franquia fosse um desafio por si só, para ser sincero, eu não acho que é o Moffat seja um bom showrunner. Ele é um ótimo roteirista, tanto que alguns dos episódios mais icônicos da era moderna de Doctor Who foram escritos por ele, e ele possui uma grande capacidade criativa para personagens, mundos, plots e situações, mas acredito que ele tem um problema de pacing a longo prazo.
Acredito que, uma coisa é você definir um elemento narrativo como peça central de uma trama e escrever a partir disso para uma sequência de 2/3 episódios, e outra coisa é fazer, em teoria, a mesma tarefa de escrita para 13 episódios e manter o interesse do espectador nesse único plot. Steven Moffat consegue fazer o primeiro caso com primor, mas não posso dizer o mesmo quanto ao segundo caso.
Mesmo com a sinergia impecável entre os intérpretes, a sensação que fica é a de que os episódios procedurais são mais interessantes do que o arco narrativo que os roteiristas quiseram desenvolver ao longo dos episódios. Isso aconteceu na série 5 e voltou a acontecer na série 6.
E eu digo isso com certo contragosto principalmente a respeito da série 6 porque eles começaram a temporada com premissas tão interessantes e instigantes. A produção usou a própria natureza de viagem no tempo do programa para começar a contar uma história pelo seu final (a morte do Doutor por um astronauta que surge das profundezas de um lago no meio de um deserto nos EUA) até os plot twists das outras pequenas histórias que, com o avançar da trama, vão acrescentando à ideia primária.
Eu realmente estava intrigado e interessado no desenrolar de todos os acontecimentos, e realmente parecia que estava diante de uma série 4 2.0. Infelizmente, assim como na série 5, conforme os eventos finais se aproximavam e a produção tentava vender a ideia de algo cada vez mais épico, maluco, de uma ameaça ou artefato que realmente podia afetar a realidade como um todo, eu ficava cada vez menos interessado.
Eles não conseguiam me transmitir a sensação de urgência e satisfação. Eu terminei ambas as temporadas com uma sensação generalizada de apatia, me questionando constantemente "É só isso? Todo o hype, toda a construção, todas as pistas e reviravoltas, tudo isso para terminar desse jeito?"
Considerando que a série 7, além de ser a última de Amy e Rory como companheiros de viagem, ser a primeira a ser dividida em duas partes, conter três episódios especiais (incluindo o episódio de aniversário de 50 anos da franquia), ser o último ano do Matt Smith como Doutor e ser a primeira com a Clara (Jenna Coleman) como companheira , é de se esperar para ver o que vai acontecer.
Em breve... |
E como assim o James Corden já esteve em Doctor Who? Duas vezes?!