Alguma vez você já se sentiu vigiado? Porque você está realmente sendo vigiado.
Ela observa a tudo e todos. Ela ouve a tudo e todos. Ela consegue
analisar e predizer atos planejados até 24 horas antes de eles
ocorrerem. Mas ela é um sistema fechado que não pode ser manuseado
livremente. A única informação que ela retorna é o CPF de uma pessoa
envolvida com a ocorrência em si. Vítima? Testemunha? Criminoso? Ela não
irá dizer. Mas se seu número aparecer, você será considerada uma Pessoa de Interesse e, independente da sua natureza, eles te encontrarão.
Introdução
Harold Finch (Michael Emerson) demonstrava desde sua infância ter uma mente brilhante. Ao crescer, se tornou um engenheiro da computação muito acima da média. Após os eventos de 11 de Setembro de 2001, junto com seu colega da faculdade e parceiro de negócios, ele começou a desenvolver um projeto com o objetivo principal de detectar, prever e evitar atos de terrorismo em solo norte-americano. Conhecida apenas como "A Máquina", ela se tornou uma inteligência artificial com capacidades maiores do que havia antecipado.
A Máquina foi ensinada a classificar todas as ocorrências como "Relevante" e "Irrelevante" diante da Segurança Nacional. Homícidios? Episódios de violência? Brigas entre gangues? Casos de corrupção? Crimes comuns do dia a dia? Essas ocorrências são irrelevantes segundo a Máquina.
Mas não para Finch. Por conta disso, antes de selar sua criação e entregá-la ao Governo, ele deixou uma porta dos fundos, um ponto de acesso para receber esses números insignificantes, ignorados pelas autoridades competentes. Finch é o cérebro, mas faltavam os músculos. Alguém com as habilidades e o treino para estar em campo. Entra em cena John Reese (Jim Caviezel). Ex-militar. Ex-CIA. Um homem resgatado de uma tragédia envolvendo o amor de sua vida e que recebeu de Finch um propósito, uma nova vida, um emprego.
Juntos, um dia de cada vez, Finch e Reese tentam alcançar a tempo tais pessoas de interesse enquanto são caçados pelas mais diversas esferas do Estado, indo desde a Polícia de Nova York, passando pelas gangues e policiais corruptos, até chegar nos ex-colegas de John e outros interessados em obter e controlar a Máquina, cada um com sua própria agenda.
Primeiras interações
Em
um primeiro momento, é possível descrever PoI como uma série de drama e
ação policial/espionagem com elementos de ficção científica e esse aspecto se mantém constante até a primeira metade da 3ª temporada, o qual eu considero o "primeiro ato". Enquanto a mitologia da série é estabelecida e amadurecida, temos algo mais centrada no aspecto procedural dos números irrelevantes, a organização criminosa HR que existe dentro da Polícia de Nova York e as outras pessoas interessadas em Reese, Finch e a Máquina.
Para isso, fechando assim a primeira formação de protagonistas da série, temos os detetives Joss Carter (Taraji P. Henson), uma ex-militar obcecada e determinada a capturar John e acabar com o HR, e Lionel Fusco (Kevin Chapman), que serve como informante para Reese e Finch além de ser integrante do HR.
Ao longo desse primeiro ato da série, também conhecemos a história e as tragédias que circundam a criação da Máquina e o que ela pode fazer quando o usuário possui acesso irrestrito ao seu conhecimento e somos apresentados a diferentes pontos de vista, como o programa Luzes do Norte, que lida com os números relevantes, e hackers com uma visão diferente daquela de Finch, o que resultou na posterior adição de Sarah Shahi (Sameen) e Amy Acker (Samantha) ao elenco principal.
O segundo ato da série se inicia na segunda metade da terceira temporada com a introdução de uma segunda Máquina que tinha um propósito parecido com o da Máquina de Finch, mas a pessoa que a obteve seu código-fonte remodelou a IA para se afastar dessa intenção inicial e servir aos interesses de seu novo dono, que inclui eliminar a Máquina, seus agentes e qualquer pessoa que tivesse comportamentos considerados por ela como "deviantes".
Seu nome é Samaritano.
Admirável Mundo Novo
De uma tela branca com um pequeno triângulo vermelho no meio, a seguinte frase é formada, uma palavra de cada vez. QUAIS. SÃO. SEUS. COMANDOS. Um senhor de idade, com um penetrante olhar para o gigante monitor a sua frente, profere a seguinte resposta:
- Creio que a situação seja justamente o contrário. O verdadeiro questionamento, meu caro Samaritano, seria: "quais são os seus comandos para nós"?
Até certo ponto, é possível considerar a 4ª temporada como uma reimaginação do 1º ano com o diferencial de que, com a presença do Samaritano e seus agentes, os riscos acabam sendo maiores para os protagonistas. Os números nunca param de vir e os menores deslizes podem resultar na perda dos disfarces cuidadosos que foram feitos pela Máquina para garantir a sobrevivência de seus agentes enquanto se esconder à luz do dia.
Ao mesmo tempo, passamos a conhecer cada vez mais o antagonista principal desse segundo ato de PoI. Como ele funciona? Como ele é tratado por seus agentes? De que forma ele vê a humanidade? Qual a extensão de seu domínio?
E conforme essas perguntas são respondidas, outras surgem para questionar a ética e a moral dos agentes da Máquina. Em um cenário cada vez mais hiperconectado, como se esconder de tamanha vigilância? Qual o tamanho de sua capacidade de controlar os diferentes aspectos da sociedade, desde o básico, como a saúde e a educação, até a bolsa de valores de Wall Street? E qual o preço que se deve pagar para salvar mais uma vida de algo que aparenta não ver valor na vida humana?
Essas questões surgem ao longo de 22 episódios que culminam em uma das melhores cenas de toda a série, o ápice da relação entre Harold e sua criação, um momento, ao mesmo tempo, íntimo e intenso onde o desespero e a desesperança surgem com força, sensação essa que é reforçada pela excelentíssima "Welcome to the Machine" do Pink Floyd e pela brilhante atuação do Michael Emerson:
Êxit()
Acredito que o 5º e último ano da série foi justamente o mais fraco da produção. Não porque a qualidade da série caiu (alguns dos melhores episódios da série estão justamente nessa temporada), mas sim porque os 13 episódios não foram suficientes. Aliás, acredito que os roteiros da primeira metade dessa leva de episódios tenham sido escritos antes da produção receber essa notícia da finalização da série e da quantidade de capítulos disponíveis para a conclusão.
Digo isso porque o ritmo dos primeiros 7 ou 8 episódios é bem mais cadenciado, mais direcionado em continuar a expandir a mitologia da série e de seus protagonistas enquanto os 5 finais são mais bem mais acelerados, como se a produção estivesse tentando condensar nesses 5 roteiros todas as ideias que eles tinham para uma temporada normal de 20 episódios, o que talvez tenha conduzindo-os a tomar algumas decisões que considero duvidosas.
Tomando essa minha ótica como base, considero que eles conseguiram fazer um trabalho satisfatório em combinar essas "duas partes" da temporada em um arco só. Ainda que eu ache que alguns eventos ocorreram simplesmente para chocar o espectador, e que as várias ideias aqui usadas mereciam muito mais tempo para serem devidamente exploradas, o saldo é positivo e bastante condizente com o legado da série e de seus protagonistas.
Programação Preditiva
Ao ler este texto, você imagina que Person of Interest é uma produção recente (entre o final dos anos 2010 e início dos anos 2020), mas Person of Interest foi exibida entre 2011 e 2016.
Antes do ChatGPT, das inteligências artificiais generativas, antes mesmo até de Edward Snowden ter revelado ao mundo a capacidade das agências de espionagem dos EUA em espionar literalmente todo o mundo, Jonathan Nolan (sim, o irmão do Christopher Nolan, roteirista de Interestelar, criador de Westworld...) e J.J. Abrams (sim, o mesmo J.J. de Lost, Fringe, os filmes de Star Wars e Star Trek...) já havia explorado esses temas com um grau de realismo e precisão (é claro, dentro dos limites da ficção e do formato procedural da série) que até chega a ser assustador se parar para pensar.
E talvez seja por isso que ela se tornou rapidamente uma das minhas produções preferidas.
Person of Interest é, até certo ponto, um reflexo da própria vida de Nolan, o que inclui os programas de TV que ele assistia conforme crescia (especialmente Arquivo X), os ataques terroristas de Nova York e suas consequências para a privacidade (ou falta de privacidade) da população desse ponto em diante, a popularização dos smartphones, o surgimento das redes sociais, a grande quantidade de dados que as grandes corporações possuem a nosso respeito...
Tudo isso compactado e apresentado forma facilmente digerível ao espectador da TV aberta com uma boa dose de ação, lutas, tiroteios e perseguições. E é bem provável de que, em alguns anos, talvez a única coisa que será fantasiosa na série não será a existência de uma superinteligência artificial conhecedora e controladora de tudo, mas sim a existência de superinteligência artificial conhecedora e controladora de tudo que ainda se importa com o futuro da humanidade.
Gian Luca
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