Cinema

Crítica Expressa: O Feitiço dos Unown/Viajantes do Tempo

Ainda que tentem uma escala reduzida e mais orientada a personagens, ambos os filmes são interiores em relação aos anteriores.


Continuando minha maratona pelos filmes da franquia Pokémon, os filmes a serem expressamente criticados dessa vez são o 3° filme, O Feitiço dos Unown (2000), e o 4° filme, Viajantes do Tempo (2001). Curiosamente, alguns elementos narrativos de ambos os filmes foram readaptados, até certo ponto, como episódios nas temporadas Jornadas e Sol e Lua, respectivamente, mas como eu ainda não assisti a saga de Alola, me limitarei a comparar apenas o 3º longa e sua adaptação presente em Jornadas.

O Feitiço dos Unown (2000)

Assim como em Mewtwo Contra Ataca, a percepção geral é de estar presenciando a história de outro personagem onde, por acaso, o Ash acaba envolvido. No caso desse longa, a condutora principal do plot é Molly, uma criança de 5 anos cuja mãe supostamente morreu sob circunstâncias não informadas e o pai desapareceu/supostamente morreu enquanto realizava pesquisa a respeito dos Unown, uma espécie de Pokémon que lembram o alfabeto humano, vieram de uma dimensão própria e aparentam estar em grande sintonia com os pensamentos e sentimentos de outros seres vivos, também sendo capazes de alterarem a realidade.

A partir dessa breve descrição, já pode-se concluir que o roteiro deseja fazer uma alusão às diferentes formas que o luto afeta o psicológico das pessoas através de Molly, sua terna idade, sua imaginação alimentada pelos livros de seu pai e o contato com seres capaz de tornam fantasias realidades. O envolvimento do Ash nesse filme se dá mais através da conexão pessoal que sua mãe Délia possui com os pais da Molly e, por causa disso, acaba sendo sequestrada e manipulada pelos Unown para ser a "mãe" da garota, cabendo ao menino Ketchum ir atrás dela.


Colocando no papel, as ideias parecem competentes, mas a execução deixa muito a desejar em comparação aos dois filmes anteriores.

Por mais que os personagens tenham tempo de tela, nunca parece que há algo substancial acontecendo. Salvo raras exceções, em nenhum momento você consegue acreditar no senso de perigo que a expansão do poder psíquico dos Unown deveria significar, nem no senso de urgência do Ash em resgatar sua mãe. Pelo contrário, graças à própria atmosfera fantasiosa e lúcida em que a própria produção decidiu se inserir, nunca parece que qualquer um dos personagens está correndo perigo real. Consequentemente, as poucas cena de ação e batalha carregam peso nenhum. 

Foi sorte que a sequência final, facilmente a melhor parte do longa devido a aspectos técnicos como animação, coreografia da cena e a utilização do próprio ambiente como ameaça, conseguiu ser crível o suficiente para que eu me importasse novamente com a história porque, literais minutos antes dessa sequência, o que eu mais queria era que o filme acabasse.


Para ser justo com o filme, ao menos visualmente falando, existe aqui um salto significativo em comparação aos anteriores, especialmente no uso do 3D, que aqui serve a um propósito de representar a natureza incomum e fora da realidade dos Unown e de sua influência na dimensão "principal" na forma de um elemento cristalino que, aos poucos, vai se expandindo. Muitos dos cenários são bastante detalhados e evocam o sentimento de fantasia que o filme quer vender. 

Mas se a única coisa que eu consigo meramente elogiar a respeito de um filme é seu aspecto técnico, eu não posso dizer que o filme cumpriu o seu papel como entretenimento.

Filme vs Episódio

O episódio de Jornadas que readapta o plot desse filme também foca em uma garotinha que entra em contato com os Unown depois de uma perda pessoal e também causa uma anomalia. Nesse caso, Tiara perdeu seu Pokémon e, influenciada por sua mãe, que lhe disse que sua Cleffa, ao lhe deixar, retornou ao céu como uma estrela, desejou inconscientemente ao Unown que nunca amanhecesse, para que ela pudesse procurar sua Cleffa na imensidão do céu noturno.


O episódio não só consegue ser uma melhor execução das ideias do filme, como, facilmente, foi um dos melhores e mais emotivos episódios da temporada Jornadas, quem sabe até de todo o anime. Não só foi fácil e rápido envolver-me emocionalmente com Tiara, algo que nunca me aconteceu com Molly durante o rolar do filme, como a produção aborda o assunto luto de forma explícita, com mais afinco e ênfase sem deixar de ser delicado e nem emocionalmente envolvente, especialmente ao inserir as pequenas cenas de flashback de Tiara e sua Cleffa, que foram brilhantemente executadas. Você consegue compreender e se envolver no luto de Tiara, mas não no de Molly. 

Se a base emocional do filme não está lá, então o filme por si só falha, tanto como uma produção que deveria ser autossuficiente, como em comparação com uma produção que é uma pequena engrenagem de algo maior.

Viajantes do Tempo (2001)

Ao iniciar este filme, eu fui levado à acreditar pelo título brasileiro do filme (Viajantes do Tempo) que o deslocamento temporal seria o principal foco do longa. Ledo engano. Na verdade, o principal foco do filme é enfatizar o papel do Celebi como "A Voz da Floresta", o guardião das matas da região de Jotho. Acaba que sua capacidade de viagem temporal funciona mais como um recurso para fazer o filme acontecer e inserir o co-protagonista do filme, Sam, junto com o trio Ash, Misty e Brock, 40 anos a frente de seu tempo.

Embora não tenha sido devidamente explorada, a capacidade de viagem no tempo do Celebi não é inteiramente descartada pelo roteiro devido à presença do Sam no grupo, algo que, querendo ou não, acaba adicionando uma nova dinâmica entre os personagens devido às pequenas interações que ele tem com Ash e companhia a respeito de estar preso em um tempo diferente do seu. 


Eu gostaria de que esse aspecto do filme tivesse sido mais explorada pelo roteiro. Expandir ainda mais o choque de eras causado pelo descolamento temporal seria uma das possibilidades de explorar ainda mais o Sam e esse conflito de emoções. Como eu disse anteriormente, é o tipo de história que eu mais desejo ver nesses longa metragens da franquia.

Se, a meu ver, o 3° filme conseguia ser belo ao representar de forma verossímil a estranheza que a presença dos Unown causava ao ambiente, este aqui consegue ser belo ao enfatizar o natural da floresta, que consegue ser mais belo e, de certa forma, mais vivo devido à presença do Celebi. Até mesmo cenas retratando algo tão comum como a água refletindo no fundo de um lago ou o evento da evolução dos monstrinhos de bolso aqui foram feitas com mais deslumbre, mais mistério, mais charme. Um verdadeiro colírio para os olhos.

Essa cenas mais contemplativas estão muito presentes, o que passa a impressão de que o ritmo deste longa é mais "lento". Existem, sim, algumas cenas de batalha no filme, mas a quantidade é muito menor em comparação aos 3 filmes anteriores. Além disso, elas estão mais concentradas no final e as que não estão na parte final são "limpas", rápidas e diretas, sem grandes invencionices ou animações extravagantes. 


Por falar no final, ele consegue uma antítese quase perfeita a tudo o que o filme até aqui havia apresentado. A contemplação dá lugar ao caos, a destruição, o desespero, a uma atrocidade feita em um 3D propositalmente feio (ao menos é o que eu espero) e a um breve, porém genuíno, momento de derrotismo em decorrência das ações do vilão genérico (por que eles insistem tanto em continuar fazendo vilões genéricos que só querem ser maus e poderosos porque sim?). 

E eu devo destacar esse breve momento de desespero que existe próximo ao epílogo do filme. Aqui cria-se uma verdadeira atmosfera de melancolia, indignação e dor. Você consegue acreditar no luto dos personagens, de todos os Pokémon, da floresta em si. E essa sensação perdura pelo tempo necessário, sem ser breve ou ser alongada demais. Isso só é possível quando o filme consegue estabelecer uma significativa base emocional, o que, felizmente, foi o caso.

O epílogo em si se concentra em dois acontecimentos a respeito do Sam: seu retorno à sua época de origem e a revelação ao espectador de quem ele é atualmente. A despedida é breve, mas tocante, especialmente para o Ash, que já considerava o Sam um grande amigo. É uma demonstração simples de como algumas amizades funcionam. Alguns amigos vem, vão e deixam uma grande marca em nossas vidas. E a única coisa que nos resta são as lembranças do tempo juntos e a esperança de que não seremos esquecidos por eles. Um lembrete emocional sobre esse aspecto da vida sempre é bem-vindo.


Mesmo que eu já soubesse previamente, a revelação de que o Sam é o Professor Carvalho quando jovem não perde seu valor. Pelo contrário, ficou a sensação de que o filme melhorou devido a isso. De forma retroativa, o filme se torna uma história de origem de um personagem que tanto apareceu no anime, mas tão pouco se sabia a seu respeito, além de atribuir um significado adicional a outras interações entre o Ash e o Professor dentro do anime. 

E me alegra de certa forma saber que, por 40 anos, o Professor guardou a lembrança daquele dia com bastante apreço. É bom não se esquecer de alguém. Nem ser esquecido. É um sinal de respeito.

Conclusões

Aqui já se nota um significativo regresso em relação aos dois filmes anteriores. Embora isso era algo já esperado considerando a frequência de produção e lançamento desses filmes, ainda assim é triste ver como os filmes deixaram de ter a dimensão digna de ser exibido nas telonas, como foi em em Mewtwo Contra Ataca e O Poder de Um, para algo que pode ser melhor descrito como episódios do anime com a duração e o orçamento parecido ao de um filme, especialmente no caso do terceiro filme. 

Com a consciência já firmada de que produções desse tipo serão a regra e não a exceção, ao invés de ficar decepcionado, eu prefiro ajustar minhas expectativas e esperar por algo semelhante a Viajantes do Tempo, que entrega uma história simples, mas condizente e que consegue entreter, com a esperança de encontrar algum outro longa ao nível dos dois primeiros. 

O jeito com que cada um fica esperando a Equipe Rocket termina de recitar o lema...


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