Triunfo. Município brasileiro de 14 mil habitantes localizado nos limites entre Pernambuco e Paraíba. Conhecida como o "Oásis do Sertão" por estar localizada 1000m acima do nível do mar, é uma cidade de clima ameno e chuvoso, bastante contrastante com o clima semiárido que se espera do Sertão Nordestino. No último domingo 16, o município recebeu seu primeiro evento voltado à cultura pop, mais especificamente Pokémon. E é claro que eu não podia perder a chance de ir e fazer minha primeira cobertura do meu primeiro evento geek.
O caminho até aqui
Ao longo dos 6 anos em que escrevo para o GeekBlast, um desejo recorrente meu sempre foi o de atender à convenções e eventos centrados na cultura pop como a CCXP, GameXP, Big Festival e tantos outros que surgiram ao longo dos anos nos grandes centros urbanos Brasil afora. Entretanto, isso sempre me foi algo literalmente distante, tanto pela falta de condição financeira, como pelo fato de ainda morar no Sertão de Pernambuco, onde nasci e cresci.
Mas as coisas começaram a mudar em Novembro de 2022, quando eu ouvi falar, por meio dos meus primos, do Caatingeek, um evento geek de 2 dias que ocorreu em Serra Talhada - PE, a 100km de distância da minha cidade natal. Já era a segunda edição do evento. E eles trouxeram para a ocasião Carol Valença (Luffy - One Piece) e o Márcio Seixas (Batman nas séries animadas).
Mesmo não comparecendo, me encheu de alegria saber que havia um movimento idealizado e apoiado por prefeituras e empresas atuantes na região para um evento desse tipo ocorrer tão perto de casa e que o público, novamente, respondeu à altura, atendeu e superou as expectativas da organização e fez com que a 3ª edição, a ser realizada em Novembro desse ano, fosse rapidamente confirmada.
Corta para 2023. Os organizadores anunciam que, além do evento principal, um evento spin-off ocorreria no período de férias escolares (16 de Julho) em Triunfo - PE, outra cidade próxima à minha. Depois anunciaram que a temática central era Pokémon. Depois anunciaram o Fábio Lucindo, o primeiro dublador do Ash, como convidado especial. Ai veio a certeza de que, independente da forma, eu tinha que ir. E eu fui.
O evento em si
O Tour Triunfo do Caatingeek sempre foi pensado como uma experiência menor, uma versão "pocket" do evento principal, tanto é que a própria organização tratar o evento como um spin-off. Oferecer uma experiência compatível com as expectativas do público em um escopo relativamente menor quando em comparação com o evento anterior, é um grande trabalho a ser feito.
Dentro da programação, tivemos as etapas classificatórias do campeonato de FIFA 23, as pequenas jogatinas em grupo de It Takes Two e Just Dance e as atividade no palco principal como "Quem é esse Pokémon?", "Sound Geek - Adivinhe a Música", o campeonato de comer paçoca (pois é, também teve isso), o concurso de cosplays, o painel com o Fábio, exibição das batalhas do Ash no Campeontato Mundial de Jornadas Pokémon no telão principal, sessão de autógrafos para os credenciados e apresentações de artistas locais proporcionadas pela parceira entre a organização e a prefeitura da cidade.
Alguns comentários que ouvi "indiretamente" de outros participantes foi a respeito de uma "falta de variedades nas atividades". Embora pode-se argumentar que isso era esperado dado a escolha da organização em oferecer um evento de escopo menor concentrado na temática de Pokémon, e eu confesso que o conjunto oferecido de atividades me manteve entretido durante quase todo o tempo em que estive presente, acredito que havia sim espaço para inserir mais dinâmicas no palco principal, especialmente aquelas voltadas à competição entre equipes/facções, algo que, observando agora, poderia render uma ótima dinâmica interna no evento.
Acredito, também, que uma redução de 1 ou 2 horas no tempo total de duração do evento teria sido vantajosa, não apenas para a questão do cansaço dos presentes, mas também para o fluxo de atividades no palco principal. Ainda é um resultado bem positivo, não se pode negar isso. Mas acredito que esses dois pontos devem ser considerados para futuras edições.
Painel com Fábio Lucindo
Já no final da tarde, ocorreu a atividade mais esperada do evento. Um bate-papo de 50 minutos com o principal convidado da Tour Triunfo. A primeira voz de Ash Ketchum no Brasil, Fábio Lucindo estava constantemente esbanjando carisma, humildade e compreensão a tudo e todos. Ele, naturalmente, conseguia trazer a atenção de todos para si sem roubar o destaque dos demais.
Fábio comentou sobre os mais diversos assuntos. Ele começou falando sobre seu primeiro contato com Pokémon (que não foi com o teste de dublagem do Ash), depois citou diversas curiosidades e bastidores a respeito de seus outros trabalhos, deu sua opinião a respeito da presença da Inteligência Artificial na indústria da dublagem, falou sobre como foi sua experiência de trabalho durante a pandemia e muito mais.
Em resumo, segue embaixo algumas das falas do senhor Lucindo que achei mais curiosas/intrigantes:
- O Ash pode ser eternamente uma criança, mas o Fábio não. Conforme crescia, acabou que o ele criou uma "técnica" própria para manter o tom de voz do eterno menino de 10 anos consistente por tantas temporadas: antes de começar a dublar uma nova temporada de Pokémon, ele assistia os episódios finais da temporada anterior para estudar sua própria dublagem (em outras palavras, ele emulava a própria voz? Interessante...);
- Não só isso, mas ele também teve que adotar rotinas específicas para cuidar da voz enquanto dublava o menino Ketchum, como, por exemplo, sessões de trabalho não muito longas (2 horas no máximo) e trabalhar mais frequentemente no período da tarde;
- Apesar de não ser o dublador "oficial" do Zac Efron no Brasil, o Fábio virou uma das principais vozes do ator quando a dublagem de um filme em que ele está presente é realizada em um estúdio de São Paulo;
- O Fábio não canta. Ele é baterista e trompetista, mas já teve que cantar em alguns projetos como Lazy Town e Sid o Cientista (esse último desbloqueou uma memória longínqua de mim com minha irmã ainda pequena);
- O Fábio é diretor de dublagem desde os 21 anos e ele explicou que diretor também é motivo para ocorrerem trocas como de elenco ou de estúdio de dublagem de uma produção em andamento. Dublagem é um trabalho que exige muita química entre todos os envolvidos. E tem algumas pessoas que só não se dão bem mesmo com um estúdio ou um diretor em específico;
- A dinâmica de trabalhar em Peixonauta foi bem diferente do que outros trabalhos de dublagem que ele já fez. Por ser uma produção nacional, isso permitiu que leituras de roteiros e gravação de vozes fossem com o elenco inteiro reunido, ao invés de sessões agendadas separadamente para cada membro, fossem a regra ao invés da exceção;
- O Fábio tem um grande apreço pelo trabalho que ele fez como Peter Parker na série animada O Espetacular Homem Aranha (2008), embora lamente que tenha sido um trabalho relativamente curto (26 episódios);
- O Fábio confirmou novamente que, sim, ele estava em Homem Aranha Através do Aranhaverso e comentou que o Manolo Rey, diretor da dublagem do filme, foi até São Paulo e alugou um estúdio por lá para que ele e outros dubladores da região que já encarnaram o teioso em produções anteriores pudessem ter participação especial (obrigado, Manolo!);
- Respondendo a um desenvolvedor de software na sessão de microfone aberto, o Fábio deu sua opinião a respeito do uso de Inteligências Artificiais na indústria da dublagem. Ele acredita em uma adoção gradual de tais tecnologias na dublagem, a começar pelas vozes de fundo (aquelas que preenchem os ambientes públicos como estádios, praças e restaurantes, por exemplo);
- Ainda sobre o assunto, ele acredita que a dublagem não irá morrer e que, por agora e por um bom tempo, protagonistas ainda serão dublados por humanos e que deve haver, sim, um diálogo na indústria a respeito do assunto com o objetivo de estabelecer regras e limites para que dubladores ainda possam ter direitos e poder de decisão a respeito do uso de sua própria voz;
Além disso, eu tive a oportunidade de entrevistar o Fábio em um espaço reservado antes da sessão de fotos com os credenciados. A entrevista será publicada brevemente após a publicação deste texto que você está lendo, mas já digo que, embora eu não tenha conseguido fazer todas as minhas perguntas, algumas das respostas que eu obtive foram, no mínimo, inesperadas.
Nos vemos de novo em Novembro?
Naquele domingo, ao deixar o auditório, além do cansaço, eu só sentia felicidade e um senso de realização. Feliz por presenciar pela primeira vez, ainda que em menor escala, um evento dessa natureza "pertinho" de casa. Realizado por estar cobrindo um evento como imprensa, também, pela primeira vez. Incrédulo por estar diante de alguém que marcou tanto minha infância.
E ainda vai ter o evento principal nesse ano. Centrado nas franquias Harry Potter e Naruto, o evento ocorrerá nos dias 18 e 19 de Novembro e contará com a ilustre presença de Úrsula Bezerra (Naruto, Dragon Ball, Sakura Cardcaptor...) e Jorge Lucas (Vin Diesel, Ben Affleck...). Se tudo der certo, e se for a vontade de Deus e dos organizadores, será um enorme prazer estar lá, não só para cobrir o evento, mas, principalmente, para celebrar e apreciar algo tão belo made in Sertão.
P.S.: eu, não ironicamente, ainda quero um campeonato de Just Dance.
Já estou torcendo para isso acontecer ano que vem (certamente não vai, mas eu gostaria muito).