Resenha: Delicates

Em Sheets, Brenna Thummler ilustrou a história de Marjorie Glatt logo após perder a mãe: o luto, as responsabilidades familiares que caíram sobre ela e o bullying que sofria de colegas de escola, tudo através do plot do sr. Saubertuck, que queria, de qualquer jeito, transformar a lavanderia da mãe da Marj em um hotel de luxo.

Em Delicates, a narrativa já é outra. Ainda abordando as questões citadas anteriormente, a autora decidiu aprofundar o desenvolvimento das personagens em vez de trazer reviravoltas mirabolantes, e isso deixou a história ainda mais crível, intensa e chocante.

Sinopse:

Marjorie Glatt’s life hasn’t been the same ever since she discovered a group of ghosts hiding in her family’s laundromat. Wendell, who died young and now must wander the earth as a ghost, soon became one of Marjorie’s only friends. But when Marjorie finally starts to fit in at school, she begins to worry that if anyone learns about her secret ghost friends, she’ll be labeled as a freak who sees dead people. Wendell isn’t the only one pushed to the outside, though. Eliza Duncan, Marjorie’s classmate at school, is constantly seen as different by Marjorie’s new friends, and starts to feel like a ghost herself. Is it worth it to Marjorie to fit in if it means she excludes both Wendell and Eliza? Following the events of Brenna Thummler’s first graphic novel, Sheets, Delicates tells a powerful story about what it means to fit in, and those who are left on the outside. It shows what it’s like to feel invisible, and the importance of feeling seen.

Marjorie não apenas acredita em fantasmas, ela vive com alguns. Isso, contudo, não é algo que sai falando para todo mundo – nenhuma das duas coisas –, muito menos agora que anda com Tessi, Colton e as outras garotas populares de seu colégio.

Por mais que ela não concorde com muitas atitudes e opiniões do grupo, a garota se mostra complacente para com tudo o que dizem e fazem, e não se posiciona nem mesmo quando começam a tirar sarro de Eliza, a filha do professor de Educação Física que a ajudou no ano letivo anterior durante os seus momentos mais depressivos.

Eliza é a típica garota esquisita – ela não está nem aí para agradar ninguém e só quer ser ela mesma. Amante de fotografia e fã de monstros, a garota se dedica 24/7 ao seu projeto de fotografar fantasmas, e por sempre tocar no assunto, acaba sendo tachada como uma “aberração” pelos populares do colégio.

Se não bastasse não ter amigos, em casa, a garota não se sente ouvida pelos pais, que, apesar de dizerem que se importam, não conseguem enxergá-la. Assim, não demora muito para que Eliza comece a se sentir como um fantasma, mas, diferente do que parece, a sensação não é nada legal.

Após dar umas fugidas de casa, Wendell, um fantasma e melhor amigo de Marjorie, estabelece um tipo de amizade com Eliza e percebe que ela se sente exatamente como ele. Através do comportamento de Eliza, Wendell percebe que ela está em perigo; tudo o que ele precisa é fazer com que Marjie também veja também.

Porém, antes disso, ele precisa fazer com que Marjie enxergue não apenas as pessoas que se sentem como – ou são – fantasmas, mas quem ela está se tornando e o que de fato vale a pena manter em sua vida.

Com um terço a mais de páginas do que o volume anterior, Delicates consegue abordar as questões de depressão adolescente de uma forma realista e explicativa. Uma das coisas que mais me surpreendeu foi pegar o ponto de vista da Marjorie para narrar parte dessa história, já que ela estivera no lugar de Eliza, a “aberração” que sofria bullying e estava mais depressiva do que nunca.

O que nós geralmente pensamos é que se você vê uma pessoa passando por uma situação difícil e pela qual você já passou, o que faz, sem pensar duas vezes, é ajudar essa pessoa da mesma forma que você foi ajudada. Mas nem sempre é assim. Às vezes, estamos tão presos em nosso mundo que acabamos por não perceber a gravidade das situações, e quando vamos tentar reverter as coisas, é tarde demais.

Durante a história, por mais que Marjie se mostre empática para com Eliza, vemos que a garota paranormal nunca está em primeiro, segundo ou terceiro lugar na lista de prioridades de Marjorie. Ela está tão ocupada tentando lidar com Tessi, Colton e seus amigos populares que mal passa tempo com Wendell, quem dirá uma garota aleatória, filha de seu professor. Wendell, por outro lado, sentindo-se rejeitado por Marjie, consegue enxergar para além de seu próprio umbigo, e isso faz toda a diferença.

Se eu achei que tinha me identificado com a Marjorie em Sheets é porque eu ainda não conhecia a Eliza. A garota se sente invisível ao extremo, um fantasma vagando por todos os lugares em que vai, e sua tristeza por não ser vista se torna tão aguda que ela parece não estar existindo. Assim, alguns pensamentos começam a surgir. Afinal, para que continuar existindo?

Em 2019, um estudo mostrou que suicídio foi a segunda principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos, e pouco se fala sobre isso tanto em casa quanto nas escolas. No máximo, os jovens têm acesso a algumas campanhas do Setembro Amarelo, tudo feito de forma meia boca por correntes sem sentido nas redes sociais, e é isso. Poucos são os que de fato sabem a respeito de suicídio, causas, transtornos psicológicos, etc.

Ainda há um tabu, certo estigma em cima do tema suicídio, e muitas pessoas não o abordam por vergonha; outras, talvez, só não dizem para que não se torne verdade. Mas os dados estão aí, os transtornos e as mortes continuam acontecendo, e, em algum momento, precisamos lidar com isso. Com Delicates, Brenna Thummler faz o papel do CVV em forma de quadrinhos e cria, mais uma vez, uma ótima história explicativa a respeito de depressão, agora ainda mais direta ao ponto.

A edição da Oni Press está maravilhosa. A qualidade do papel é ótima, um branco de gramatura alta – considerando que é para o miolo do livro –, e a impressão está em perfeito estado. Mesmo tendo mudado de editora, o livro continuou com as mesmas medidas do anterior e fica muito bem na estante.

O traço de Thummler continua maravilhoso e as cores utilizadas ficaram ainda mais chamativas neste volume, com muitas cenas dignas de pôster. A respeito do projeto gráfico, não há o que falar, ficou impecável e vale muito a pena.

Infelizmente, ainda não há informações a respeito de Sheets e Delicates virem para o Brasil. Apesar disso, torço para que alguma editora tenha o bom senso de nos presentear com essas histórias. Nos dias de hoje, livros como esses deveriam ser leitura obrigatória, porque além de lindos, interessantes e fáceis de ler, são profundos, informativos e objetivos, uma campanha eficaz e não romantizada contra o bullying e sobre depressão que funciona com pessoas de todas as idades. Ideal para quem quer ler uma boa e bela história sobre dor, amizade e encontrar nosso lugar no mundo.