Séries & TV

Que tristeza minha Jornada nas Estrelas

Jornada nas Estrelas (Star Trek) não é mais a mesma coisa após Kutzman basicamente destruir o ideário da franquia.

Vai ter gente por aí, caso estejam assistindo o que Kutzman está produzindo para Jornada nas Estrelas, que provavelmente não vai gostar daquilo que estará nas próximas linhas.


Antes de mais nada, sou um grande fã da Ficção Científica, li vários livros, como Duna, 1984, Admirável Mundo Novo, a série Fundação e a trilogia de quatro livros do Guia do Mochileiro das galáxias, séries e filmes foram e ainda serão incontáveis e destes minha franquia favorita é Jornada nas Estrelas (Star Trek para quem gosta de falar o seu nome original) e nos seus altos e baixos, convivemos uma relação de amor e ódio desde 1991.

Espaço: A Fronteira Final

Vim a conhecer Jornada nas Estrelas neste ano nalgum programa a tarde da saudosa Rede Manchete, primeiramente com Jornada nas Estrelas - A Nova Geração (Star Trek: The Next Generation) e, acredito que passavam no mesmo dia, Jornada nas Estrelas - A série (Star Trek), sendo amor a primeira vista.


Ver mundos fantásticos, naves espaciais, histórias estonteantes, mesmo que na época tivesse oito anos de idade e alguns conceitos não sabia o que eram, e aventuras nos confins da galáxia me fizeram virar fã de carteirinha, apesar de tudo ser tão diferente de Guerra nas Estrelas (que já tinha passado na Tela Quente na época) e outros filmes de Ficção Científica.

Com o passar do tempo, o gosto foi só crescendo, pude ler os livros da Aleph que ela lançara no Brasil e, acredito, alguns quadrinhos também, principalmente da série original. Claro que como muitos no Brasil, ficamos relegados aos filmes e a boa vontade da TV aberta em trazer algo de Jornada com o passar do tempo.

Lembro que a Record passou Jornada nas Estrelas - A Nova Missão (Star Trek: Deep Space 9), aos domingos e foi algo de outro mundo ver uma nova tripulação e seres ainda mais diferentes daqueles que tínhamos na Nova Geração.


Conteúdo novo de Jornada, após isso, veio apenas com o canal USA, que fazia parte da grade de TV à Cabo, onde a mesma tinha um quadro de Sci-fi aos sábados e anunciara que os mesmos iriam passar todas as séries de Jornada nas Estrelas da época, como o caso das temporadas inéditas de A Nova Geração e Voyager. Quer dizer, um verdadeiro sonho para todo e qualquer trekker no Brasil.

Estas são as viagens da nave estelar Enterprise

Foram vários anos acompanhando Jornada nas Estrelas no canal USA. Cada série trazendo algo único e emocionante. Enquanto a original tínhamos o estilo cowboy de Kirk e sua turma, causando rebuliço pelo Quadrante Alpha, Picard e cia tinham questões diplomáticas e, por vezes, sociais a se resolver, DS9 tínhamos um xerife cuidando de uma estação e com uma guerra em suas mãos e em Voyager, uma capitão tinha de trazer uma nave de volta para casa, perdida no Quadrante Delta.


24 temporadas, se colocarmos cada temporada com 20 episódios, foram, até então, produzidos 480 episódios. Claro que nem todos são bons, vários deles reconhecidamente ruins pelos fãs e que são odiados até hoje, conquanto, na sua grande maioria há episódios medianos e alguns deles que são considerados um dos melhores episódios já feitos para uma série televisiva.

Jornada nas Estrelas é considerado um dos grandes marcos televisivos, dando alguns exemplos somente da série original. Lá temos a Tenente Uhura, uma negra em posição de destaque e não subserviente numa época onde os Estados Unidos continuavam extremamente racistas - e que maravilhou uma certa jovem Whoopi Goldenberg. Havia um russo na ponte de comando, onde, naquele momento, a União Soviética era inimiga dos americanos na famigerada Guerra Fria. Imaginem estas questões em plena década de 1960 nos EUA?

Prosseguindo em sua missão de explorar novos mundos

Na Nova Geração não poderia ser muito diferente. Claro que ao ser lançada, a mesma fora recebida com grande ojeriza pelos fãs da série original que acompanhavam a tripulação de Kirk pelos filmes. Nós sabemos que isso acontece muito quando existe uma transição do velho para o novo, uma certa resistência quando há um novo olhar em algo criado no passado.

Deep Space Nine e Voyager, após TNG, foram melhor recebidos, pois os Trekkers perceberam que aquele novo século tinha muito a ser explorado. Voyager, considerada uma das mais fracas a época, também teve o seu quinhão de bons episódios que merecem o seu devido destaque, como, por exemplo, o episódio Living Witness, onde um personagem que é um holograma é reativado num futuro distante de um planeta onde a Voyager havia passado e o mesmo repara em diversos erros das personalidades dos seus companheiros de viagem, fazendo uma revisão histórica de todas as informações que aquele planeta tinha sobre sua nave e sua tripulação.

E neste apesar dos pesares, as séries iam bem. Tinham boa audiência nos EUA, até que fora anunciada Enterprise...

Procurar novas formas de vida e novas civilizações

Nessa época os fóruns da Internet estavam fervilhando e agora era possível criticar, bem ou mal, tudo aquilo que era consumido culturalmente e Enterprise - sem o uso de Star Trek no seu título - foi a série da franquia criada por Gene Rodenberry que mais sofreu críticas ao longo de sua carreira, muitas delas com sentido, principalmente por ser um prequel e nunca ter sido citada antes, forçando até a barra, as vezes.


Participava de dois fóruns brasileiros e, pelos Profetas, a briga entre a série ser boa ou ruim. E infelizmente seu começo realmente não ajudou muito. Entre idas e vindas, os produtores se viram obrigados, por exemplo, a colocar o título Star Trek: Enterprise, numa tentativa de reconectar a série para com os fãs mais fervorosos, ainda assim, a audiência ficou cada vez menor, apesar das melhorias substanciais na terceira e quarta temporada.

E a série, então, acabou sendo cancelada, além do fato de ter uma audiência baixa, também porque um dos executivos do conglomerado Viacom-CBS tinha uma grande antipatia por Ficção Científica e, principalmente, por Jornada nas Estrelas, marcando, assim, o fim de 18 anos seguidos de franquia no ar e não por conta de fadiga da audiência pela mesma, mas por questões meramente políticas de alguns executivos ordinários.

Para audaciosamente ir onde ninguém jamais esteve

De 2005 a 2009, Jornada nas Estrelas ficara num limbo existencial até que Star Trek ficara sob a tutela de JJ Abrams e, com ele, um novo filme veio a acontecer. Dando início a um novo universo, pois o mesmo era um Reboot, mas com origens ligadas ao que seria conhecido como universo prime.

Star Trek conta a história de como o Kirk viera a se tornar capitão da USS Enterprise NCC-1701 de uma forma moderna e mais frenética, para chamar a atenção do público mais novo que gosta de tiros e explosões. Apesar do grande sucesso de bilheteria - e ter garantido mais duas continuações - a Jornada cinematográfica estava muito diferente do que boa parte dos fãs estavam acostumados a ver e aquilo causou um cisma entre os que controlavam os direitos da franquia e aqueles que fizeram a mesma ser o que é hoje.


Mas por conta do sucesso dos filmes, fora possível a CBS vir a anunciar, alguns anos depois, a produção de uma nova série de Jornada nas Estrelas, trazendo esperanças para os muitos fãs que esperavam ansiosamente por novas aventuras na telinha da TV.

Com Bryan Fuller como produtor e tendo como parceira de produção a Netflix, Star Trek: Discovery viria a ser lançada em 2017. A proposta de Fuller era bem interessante, consistindo em criar uma antologia para cada temporada. Onde a primeira se passaria no período da série original, a segunda nos anos da Nova Geração e a terceira além, num futuro distante, mas, as coisas não saíram como deveria e Bryan Fuller fora despedido pela CBS, e o controle criativo ficara então com Kutzman e, senhores, foi a partir daqui que, a meu ver, a coisa degringolou.

Ele está morto Jim

Discovery começa 10 anos antes da série original. A mesma conta com uma grande repaginada da época, deixando o cenário mais futurista e "atual" para que assim a nova audiência não estranhasse os botões coloridos e o papelão que era a ponte da Enterprise e de naves da Frota Estelar dos anos 1960, indo contra aquilo que fora extremamente respeitado tanto na Nova Geração, DS9, Voyager e em Enterprise.

Tivemos a questão de serem apenas 13 episódios, como é, atualmente, a produção televisivas. E, no caso, contando com um grande arco histórico para cada temporada - e que não funciona muito bem na forma que foram produzidos.
 

 
Enquanto que nas outras séries havia, pelo menos, um personagem principal, no caso o capitão, e os personagens secundários, onde cada um tinha sua relevância e episódios voltados para eles, Discovery colocou o colo do protagonismo num só personagem, deixando de lado os secundários, sendo, em grande parte, meros figurantes. Temos a figura da Mary Sue em sua enésima potência, onde os bons episódios é quando ela não tem destaque.

Discovery acabou tendo o mesmo problema que Enterprise, onde ao tentarem modificar o passado, encontraram uma grande resistência dos fãs das outras séries e, agora, com a internet ainda mais presente, as críticas também ficaram cada vez mais intransigentes.


Mas se não bastasse mudar a forma de narrativa, onde conversas mais sociais e filosóficas foram trocadas, literalmente, por tiros e socos - sim, eu sei que Kirk fazia isso, mas tinham episódios na série original mais contemplativos e que faziam o telespectador parar um momento e pensar, ficando algo mais próximo a Star Wars do que a Star Trek.

Só que esta foi apenas a ponta da lança. Viera a série Picard e para não me estender muito, literalmente acabaram com um dos personagens mais marcantes que a franquia tinha em mãos com um enredo ruim e episódios extremamente fracos.

Acabou? Claro que não. Para tentar ganhar audiência no público mais adulto - e saudosista - veio também Lower Decks, uma animação um pouco à la Rick & Morty que apesar de sofrer do mesmo nível de protagonismo de Discovery, pelo menos trabalha melhor com os outros personagens e é relativamente mais divertida, sendo melhor aceita pelo público Trekker.

Q não é o inimigo, Kutzman sim

Sendo bem sincero. Acredito que o grande problema da franquia ter se distanciado com o ideário de Gene Rondeberry e o que as outras séries seguiam é a forma orientada de conduzir a história com mais ação, pancadaria, dinamismo que se apregoa na TV nova e que é conduzido de forma desastrosa por Kutzman.

Existem outras séries por aí que seguem a premissa de Jornada e conseguem ser bem melhores, como é o caso do The Orville, que trata de assuntos interessantes político-sociais sem precisar jogar tudo nas mãos de uma só personagem, como The Expanse, assim como tratar cada personagem de uma forma digna e que dê gosto de ver, como foi o caso de FarScape, Babylon 5, BattleStar Galactica e até a mediana Salvation.

Até parece que as pessoas que estão escrevendo os roteiros para essa nova Jornada não conhecem Jornada nas Estrelas. Falo por mim, mas acredito de milhares de outros pensam igual, nós queremos a nossa jornada filosófica, divertida e científica - com os seus tecnobubble - e não Star Wars a cada episódio.

Por favor Kutzman, assista JORNADA NAS ESTRELAS, traga de volta aquilo que tanto amamos, ou Axanar vai te comer vivo.

No final, deixo uma passagem do episódio All Good Things entre Picard e Q. A quintessência de JORNADA NAS ESTRELAS. No vídeo é a partir do momento 5:20.


Picard: Eu sinceramente espero que seja a última vez que eu esteja aqui.

Q: Você não entende, não é Jean-Luc? O julgamente nunca termina. Nós queremos ver se você tem a habilidade de expandir a sua mente e seus horizontes. E, por um breve momento, você fez isso.

Picard: Quando eu descobri o paradoxo.

Q: Exatamente. Por uma fração de segundos, você estava aberto a opções que nunca havia considerado antes. ESTA é a exploração que espera por você. Não mapeando estrelas e estudando nebulosas, mas descobrindo as possibilidades desconhecidas da existência.

 

Escreve para o GeekBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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