O ero guro é um controverso movimento artístico japonês. Misturando sexo e violência em ilustrações que, desde os anos 30, retratam lendas, crimes, pesadelos e desejos obscuros, este não é um estilo para quem tem estômago fraco. No entanto, ele está longe de ser apenas uma demonstração de erotismo grotesco. Por trás de imagens tão horrendas, há mensagens a serem desvendadas, além de um importante vínculo com a história do Japão e com a própria concepção do que é arte. Entre seus adeptos, Takato Yamamoto e suas ilustrações melancólicas são um grande exemplo da profundidade de significados que esse movimento pode ter.
O grotesco nas artes e seu contexto histórico
Pintura fauvista "A Siesta", de Paul Gauguin. |
Da mesma forma, a feiura, a violência, o sexo e o profano não são elementos arbitrários das obras de arte. Talvez um dos exemplos mais conhecidos, Guernica, de Picasso, mostra corpos agonizantes como forma de expôr o sofrimento trazido pela guerra. No Brasil, Portinari pintava seres esqueléticos, sombrios e com aspectos monstruosos como denúncia das péssimas condições de vida dos retirantes.
"Assassinato de Ohagi por Saisaburou" (1867) |
A obra de Takato Yamamoto
Página de "Yami no Hou e" ("Em Direção à Escuridão"). |
Em um primeiro olhar, o que nos chama atenção é o caráter grotesco dos desenhos. Esqueletos, corpos deformados em decomposição, seres monstruosos, sangue, ferimentos… A violência tem sua marca em corpos despidos. Mas, ao contrário da maior parte dos artistas guro, Yamamoto tem uma abordagem bem mais “leve”. Isso porque não vemos ações violentas, mas sim imagens que ou antecipam ou são consequências da violência. Você não vê monstros enfiando a língua nos olhos de garotas, como típico da obra de Suehiro Maruo. Isso é interessante, pois tira a ênfase do ato de violência em si e coloca nos participantes.
Cenários abstratos criam ambientação onírica. |
Agora olhemos para os personagens que participam das imagens. O que chama a atenção em primeiro lugar neles são seus misteriosos olhares. É difícil definir o que eles sentem. Na situação em que eles estão, seria natural acreditar que estivessem horrorizados, assustados, sentindo dor ou chorando. Mas não há nada. Eles têm uma expressão vazia. Porém, por trás dessa apatia, há uma melancolia profunda, um sentimento misto de tristeza e resignação. Como se eles compreendessem bem a situação horrenda em que estão, mas não conseguissem ter forças para lutar. Ou então, eles já se acostumaram a passar por isso. Já se familiarizaram com seus monstros e aceitaram seus pesadelos.
Os personagens possuem sempre um olhar misterioso e melancólico. |
Dessa forma, acredito que, em suas ilustrações, Takato Yamamoto tenta expressar infernos mentais de maneira literal. Traumas, fobias, problemas psicológicos, angústias: tudo ganha formas grotescas e torturam o corpo de suas vítimas. Mas nada é retratado de maneira explícita. Não costuma haver indicativos do que tudo ali de fato representa. O significado de suas obras, assim, depende muito da interpretação pessoal e da conexão feita com a obra.
Existe um forte simbolismo nos elementos de suas obras. |
Agora voltando a falar de suas obras em geral, outra relação que consigo estabelecer com os desenhos de Yamamoto é a temática queer. Em muitos casos, é bastante difícil identificar se seus personagens são homens ou mulheres. Os corpos são pequenos e sem pelos, as feições suaves, as roupas marcam pouco suas silhuetas… Além disso, quando despidos, é comum vermos rostos “femininos” e delicados em personagens que exibem, ou escondem parcialmente, o pênis. Ou então, homens e mulheres agrupados com rostos tão semelhantes que só é possível identificar o sexo graças a sua nudez. O homoerotismo, tanto masculino quanto feminino, também é um tema recorrente. Assim, não é um exagero acreditar que o universo de angústia, dores e traumas retratado por Yamamoto também possa ser uma expressão da dor que é ser queer, estranho, diferente, desajustado, em uma sociedade que não reconhece seu corpo, seu desejo e seus sentimentos.
Androginia e homoerotismo são temas recorrentes. |
E lembram quando falei lá em cima que a arte é sempre reflexo do momento em que ela é produzida? Pois bem, o trabalho de Takato Yamamoto me faz pensar bastante em como a saúde mental encontra-se deteriorada na geração atual. Da mesma forma que o ero guro trazia muito do imaginário do Japão em guerra, consigo imaginar Yamamoto trazendo um retrato da apatia, das angústias, da banalização do sexo e da violência presentes hoje. Com índices de depressão, ansiedade e outras doenças psicológicas crescentes, vivemos em uma comunidade de pessoas tão quebradas quanto os personagens de suas ilustrações.
Arte é, em síntese, expressão. Expressão de amor e de beleza, mas também de medo, de angústia e melancolia. À partir do momento que almeja transmitir algo, o ero guro também tem suas pretensões artísticas e deve ser lido como algo além da mera perversão. Claro, isso não quer dizer que não existam violência gratuita ou apelação sexual nos mangás. Mas, o trabalho de Takato Yamamoto é um exemplo de como esses elementos podem significar mais do que aparentam.