O especial começa retomando as cenas finais de O Décimo Planeta, último serial protagonizado pelo 1º Doutor, William Hartnell, que deixava Doctor Who por questões de saúde. Interpretado aqui por Bradley, o Doutor Original se encontra no mesmo dilema que sua 12ª versão: ele não quer regenerar. A TARDIS, então, decide resolver o problema e cruza a linha temporal dos dois Doutores, para que ambos vejam que precisam seguir em frente.
A dinâmica entre os dois Senhores do Tempo é ótima. Com uma diferença de 51 anos entre a transmissão de Décimo Planeta e O Doutor Cai (e os 1500 anos de vida que separam o 1º do 12º), Moffat faz questão de colocar as diferenças culturais e avanços sociais que o mundo passou desde a década de 1960. O Doutor Original, por exemplo, não tem vergonha de dizer que a função das companheiras femininas é faxinar a TARDIS, além de se gabar sobre suas conquistas em relação ao sexo oposto, enquanto o 12º tenta, de maneira atrapalhada, esconder seu passado mais "quadradão".
Questão de tempo: o 1º Doutor (centro) não se envergonha de fazer comentários machistas, contrariando sua versão futura |
O retorno de Bill (Pearl Mackie) também é bem-vindo no episódio. Depois de seu destino agridoce no finale da 10ª temporada, a garota retorna para guiar os dois Doutores e o Capitão (Mark Gatiss) para entender o papel do Testemunho e da Rainha de Vidro na confusão temporal no centro da trama.
Como sempre, Bill serve como um ponto de exposição, já que é dela o papel de perguntar o que se passa na cabeça do Doutor. Ainda assim, a estudante não deixa barato quando o os antiquados 1º e Capitão fazem um comentário misógino, entregando uma das melhores falas já escrita por Moffat.
A Rainha de Vidro e o Testemunho estão no centro da trama do especial de Natal |
Para não deixar faltar na promessa de muitas emoções, Moffat fez um especial altamente auto-referente, com diversas cenas, falas e personagens de aventuras anteriores dando as caras no episódio. A tática de usar os conflitos entre 1º e 12º Doutores também é uma maneira do showrunner se despedir com classe (e ironia) de críticos mais assíduos da era moderna de Doctor Who, iniciada em 2005.
Apesar da carga emocional ser entregue na medida certa, o roteiro perde forças na hora de focar na aventura. A trama em si do especial é descartável, com uma resolução anti-climática e plot-twists previsíveis, deixando claro que o foco da história era fazer ambos os Doutores (e os fãs) aceitarem o que estava por vir ao invés de colocá-los em uma guerra como O Doutor Cai ou uma aventura cômica como Os Maridos de River Song.
Focando na despedida do 12º Doutor, a aventura de "Eram Duas Vezes" perdeu força |
Mesmo assim, o saldo geral do especial é positivo. Nenhuma piada parece forçada, os monólogos já tradicionais de Capaldi emocionam de maneira natural e as lágrimas ficam extremamente fáceis graças à química impressionante dos quatro atores principais do especial.
A cena da regeneração (vídeo abaixo, em inglês) vale, por si só, o resto do episódio, com Capaldi deixando seus conselhos antes de liberar a TARDIS para Jodie Whittaker, que já chega, literalmente, de maneira explosiva à série.
Doctor Who retorna no segundo semestre de 2018, com Jodie Whittaker no papel principal e Chris Chibnall como showrunner.