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GeekBlast entrevista: Alexandre Soares, autor de "Brigada Ligeira Estelar"

Entrevistamos o autor nacional responsável por um dos maiores cenários de RPG da atualidade.


O GeekBlast bateu um papo com Alexandre Soares, responsável pela criação do cenário de RPG "Brigada Ligeira Estelar". O autor revelou suas inspirações, indicações de bons animes, futuras publicações e muito mais. Confira!


GeekBlast: Não sei se é ousadia falar isso, mas Brigada Ligeira Estelar é o segundo maior cenário de RPG nacional, "perdendo" apenas para Tormenta, há material sendo lançado constantemente e com frequência em livros ou pelo site da Jambo. Como é para você ter criado esse universo de RPG? Você já havia planejado logo de início tanto material para o cenário ou foi algo que surgiu com a necessidade?

Alexandre Soares: Em primeiro lugar, agradeço pelos elogios e pela entrevista. Brigada Ligeira Estelar teve raiz em dois conceitos separados que criei. O primeiro foi um romance jamais escrito - e que hoje em dia seria muito diferente, caso eu o escrevesse - de space opera focado na família de nobreza Falconeri. Havia o rascunho dos proscritos no conceito, um povo bárbaro e invasor nos confins do Império - e nesse caso era um império muito maior, de amplitude galáctica. Eu não tinha a consciência de que tenho hoje, do quanto um sistema solar sozinho já é enorme... o outro foi um conceito para jogar PBEM com alguns amigos chamado de Sacro-Império Estelar, também muito diferente, mas inspirado no Sacro-Império Romano-Germânico que surgiu na Idade Média e só acabou com a era napoleônica, que já era um corpo federativo com bastante autonomia entre suas partes. Também não deu muito certo. Mas esses elementos ficaram guardados na minha cabeça. Eu já tenho um gosto pela space opera desde a infância, em especial de animes do gênero como Patrulha Estelar e Macross/Robotech, e fiz um rascunho do que seria o cenário, em diferentes planetas, para apresentá-lo à Jambo. Não havia a Constelação do Sabre, Tarso se chamava Morgenstern, Forte Martim se chamava Seyfried, havia uma Princesa Adelheide (porque era o Sacro-Império Romano-Germânico, e tudo era muito alemão em todos os seus elementos), e dos elementos restantes só havia a Estação Parlamentar.
Patrulha Estrelar, uma das inspirações para o autor.
AS: Um amigo que trabalha com cinema veio com a sugestão: "cara, se eu fosse você, fundia o cenário daquele livro a esta ambientação, pois vai ser muito mais difícil estabelecer uma segunda space opera caso a primeira dê certo". Pensei, deu caldo e a Constelação do Sabre surgiu disso. Todos os buracos se taparam juntando os cenários. Ele nasceu, pra minha surpresa, bem amarrado — e o eixo dele foi deixando de ser tão europeu, tanto que a situação-problema do cenário deve muito à Era Regencial entre o Primeiro e o Segundo Império no Brasil — o de um país à beira da balcanização, com guerras e rebeliões. Hoje vejo muito de uma perspectiva Íbero-americana no universo de Brigada Ligeira Estelar. A instabilidade de poder, os conspiradores, a cooptação fácil...

AS: Isso tudo leva a sua segunda pergunta: o material. Sendo para 3D&T, eu usei isso como uma homenagem aos mangás e animes de ficção científica em suas épocas áureas, notadamente os anos 80 e primeira metade dos 90, mas sempre pensando em tudo nos termos de hoje. Enquanto nos quadrinhos há essa obrigação por originalidade, o RPG pede por derivatividade, mas que ela seja amarrada por algum tipo de identidade própria, senão ele vira um mero Frankenstein. Tormenta é bem isso: ele amarra um monte de conceitos e referências, mas não há como negar que eles tem uma cara. Então as próprias necessidades do gênero trazem inspiração de material para ser trabalhado. Não vou ser bobo de negar que os Centauros de Aço são um twist perverso sobre os White Nuts de Zillion, que as Agentes da BRISCA são inspiradas em Dirty Pair, que as Celebridades Galácticas vieram de Macross e que as grandes belonaves de Batalha dos Três Mundos vieram de Patrulha Estelar. O público de um RPG quer encontrar em um cenário aquilo do qual eles mais gostaram em outra mídia e encaixá-la de alguma forma. O desafio é fazer desses conceitos parte de um cenário.


GB: Como foi o seu início no mundo do RPG? Quando você teve seu primeiro contato com o 3D&T e qual a sua primeira impressão com o sistema? Eu me lembro que na época do lançamento muita gente recriminava por ser um sistema muito simples.

AS: Meu início veio com os livros-jogos de Aventuras Fantásticas, o Tagmar e o GURPS. Eu gostava de ler, mas morava em Realengo (Zona Oeste do Rio) e não encontrava quem quisesse jogar, mas estudava no Centro. Tentei cooptar meu irmão e meu primo como jogadores, mas nunca deu certo... só fui jogar mesmo com GURPS, no caso o Fantasy. O 3D&T foi um caso a parte - eu adorei o sistema, mas só fui tomar contato com ele quando entrei em minha primeira faculdade (na UERJ). Um amigo meu tinha o AD&T, o da capa laranja, que como bom material de banca não estava mais à disposição. Peguei emprestado, xeroquei e fui atrás da Dragão Brasil. Lembro que eu não comprava todas, mas sempre verificava se tinha algo de AD&T para aumentar minha lista de conteúdo do cenário. O problema é que meu grupo tinha um preconceito estúpido contra o sistema. Lembro que certa vez criei um cenário de fantasia com mechas chamado Armorial. Ainda tenho algo dele comigo na gaveta, era bem inspirado em Escaflowne e se passava em um mundo de fantasia bem inspirado na península ibérica medieval, com direito a uma Guerra de Reconquista.

O anime Escaflowne.
AS: Já na época eu achava importante ter diferenciais que dessem personalidade ao cenário - e pouca gente repara, mas Escaflowne também tem uma identidade bem mediterrânea. Preparei tudo e dois dos jogadores disseram que não pretendiam jogar, já que era 3D&T. Aí no dia marcado, os dois apareceram para minha surpresa. Tudo bem, expliquei sobre o mundo, todos esses detalhes. Quando terminei, de repente todos começaram a me olhar... e um dos jogadores puxou o BESM (este sim, acho bem pobre) e me puseram na mesa. Fui praticamente coagido a mestrar o cenário daquela forma, sem fichas prontas, o diacho. Nunca mais voltei a ele. Mas continuei no grupo, jogando por anos campanhas em Mekton Zeta, Fading Suns, Champions... no final, o grupo encerrou seu ciclo de vida útil e acabei tendo poucas oportunidades de jogar regularmente depois disso. Mas eu já havia sido mordido pela mosca azul dos RPGs - e comprava cada atualização do 3D&T. Acho que ele chegou à sua maturidade com o Alpha. Pessoalmente não gostava do antigo sistema de magia, com Focus - era algo adequado a um mundo de magia específico, mas não a um sistema genérico. Hoje as regras estão na medida. Podem ser mudadas, transformadas, remexidas - o Manual do Defensor do Bruno Schlatter não me deixa mentir - mas a base para mim chegou ao ponto certo.

O manual de 3D&T pode ser baixado de graça no site da Jambo.

GB: Brigada Ligeira Estelar busca muita inspiração em Space Operas. Como você começou a sentir afinidade por obras do tipo? Quais são as suas principais inspirações para a criação do cenário?

AS: Isso é uma coisa da infância. Se você pensar bem, Star Wars ditou a cultura pop por mais de uma década, e eu cresci vendo filmes como Mercenários das Galáxias e Piratas das Galáxias (esse ninguém lembra mais dele) na televisão. Mas eu sou “Geração Manchete”, e foram animes como Patrulha Estelar que garantiram a minha permanência na ficção científica depois que a moda passou. Robotech também foi importante. Isso me levou tanto à literatura de ficção científica quanto aos animes e mangás, e embora meus horizontes tenham se expandido muito no processo - durante anos eu toquei um blog de anime e mangá, o Maximum Cosmo - não há como negar que quem me levou a eles foi justamente o material sci-fi, em mangás traduzidos para o mercado americano pelo Studio Proteus para editoras como a Viz e a Dark Horse, e que eu encontrava em gibiterias que vendiam material importado da Marvel e DC. Claro, eu lia minha dose de super-heróis — Legião dos Super-Heróis pós-Zero Hora, Orion do Walt Simonson, material que era descartado na publicação aqui no Brasil. Mas foram justamente mangás espelhados e traduzidos para o mercado americano como Venus Wars e Appleseed (e no Brasil, Akira e Mai, a Garota Sensitiva) que me arrastaram para o lado nipônico da força. Sim, eu adorava e adoro até hoje o Lobo Solitário, mas isso não fez de mim um fã de Samurais...

Orion pelo mestre Walt Simonson
GB: Para você quais são os 5 animes obrigatórias para quem gosta de Brigada Ligeira Estelar?

AS: Vamos lá (vai ser um esforço, mas vou procurar exemplos mais recentes - se o anime for muito antigo, é porque não dá para evitar):


AS: - Patrulha Estelar 2199 (Uchuu Senkan Yamato 2199): embora ele não tenha robôs gigantes, Patrulha Estelar tem mais do espírito heroico de Brigada Ligeira Estelar do que o Gundam clássico (que é bem desconstrutivo, na verdade). Ele é a medida de um bom remake no meu entender, as mudanças foram bem-pensadas. Um exemplo: as “Yamato Girls" não foram enfiadas na marra, foram desenvolvimentos lógicos de elementos originais relacionados à Yuki (Lola no ocidente), que agia em diferentes funções, meio sem coerência. A aparente exceção é a Akira, até que cai a ficha: ela é a Yuki do longa-metragem com atores, que pilotava caças e era mais cabeça-quente. Quem não foi beneficiado no meu entender foi o Desslok (Desslar no original), que perdeu carisma e ganhou um ar blasé comprometedor para o personagem. Mas vale.


AS: Superdimensional Fortress Macross: a série original, não o longa (que visualmente é bonito pra burro, mas que como versão dos personagens e do próprio cenário é bem capenga; prefira a série). Eu costumo dizer que se o Gundam clássico é o abecedário dos Robôs Gigantes como os conhecemos hoje, Macross foi a gramática, introduzindo vários clichês que permaneceriam. Se você não quiser assistir a série inteira, recomendo seriamente os episódios 6 e 7 do Macross original, Daedalus Attack (Blitzkrieg em Robotech) e Bye Bye Mars. São um bom exemplo do que faz o apelo do gênero até hoje.

AS: Gundam F91: é preciso um pouco de cuidado quando se fala em Gundam, porque as séries são muitas e a qualidade pode oscilar bastante. A série original ainda tem méritos, mas ela é de 1979 e pode assustar muita gente por causa da animação - nesse caso os três longas-resumo são mais recomendados - mas se for para servir de referência prática e breve, minha recomendação é o longa F91. Ele sofreu vários problemas de produção - é um longa baseado em uma série encerrada nos bastidores, ainda com os primeiros capítulos produzidos; o desenvolvimento excessivamente veloz de personagens veio justamente disso. Tudo é corrido. Mas tem todos os elementos clássicos do gênero apresentados com clareza (nobreza espacial, tramas novelescas, robôs em combate, etc.), é um filme com menos de duas horas e como referência imediata, é perfeito.


AS: Code Geass: vou ser honesto e assumir que não sou um grande fã da série. Não a odeio, mas acho que ela atira para todos os lados, tenta agradar públicos demais e fica meio esquizofrênico. No entanto, tirando o fator espacial da jogada, ele é um espécime exemplar do gênero: robôs gigantes, conspiração política, intrigas de nobreza, trajes de época misturados com elementos futuristas, romance juvenil, grandes vinganças pessoais e uma boa ênfase no worldbuilding. Como referência, acho uma excelente pedida. Só fuja dos mangás, porque na maioria eles praticamente tratam os robôs como rodapé de cenário (exceto o melhor deles, Oz the Reflection — que vale a pena, mas estranhamente foi um dos poucos a jamais ter saído por aqui). O anime, felizmente, não é assim.


AS: Heavy Metal L-Gaim: pense em uma versão anime, sem aliens muito bizarros e com robôs gigantes do universo expandido de Star Wars. É L-Gaim, escarrado e cuspido. Não é focado em personagens militares — o núcleo principal da trama envolve uma rebelião, e os protagonistas formam um verdadeiro exército brancaleone (para se ter uma ideia, a fadinha alienígena é a única personagem realmente competente ali) e tem um tom mais cômico, mas funciona, especialmente se os jogadores não estiverem dispostos a encarar pilotos militares.

AS: Tem vários outros e doeu não mencionar alguns, mas eram só cinco... Além disso, recomendo esses dois, que não são animes mas valem a pena: os episódios 8 e 16 de Titã Simbiônico, que por pouco não poderiam se passar no universo de Brigada Ligeira Estelar (em especial o 16), e os dois primeiros episódios do cult oitentista Galaxy Rangers, que não tem robôs gigantes mas são interessantes nos demais aspectos do cenário. Tem quase tudo: implantes ciborgues, poderes psíquicos, e o conceito de “cavalaria espacial” — com direito a um tema musical com “Sem fibra, sem glória; sem dor, sem ganho” na letra. Isso é muito hussardo!

O clássico oitentista Galaxy Rangers.
GB: Teremos algum dia romances se passando no universo de Brigada Ligeira Estrelar? E os mangás publicados no Social Comics, algum dia sairão de forma impressa?

AS: Quanto a versão impressa dos quadrinhos, é este o plano desde o começo. Estamos nos segurando um pouco para acelerar a produção nos bastidores e trazer mais material em breve. Sobre o romance, o primeiro volume já está escrito. Admito que não foi feito para ser em volumes originalmente; sempre acreditei que antes de se pensar em trilogias, o ideal para um escritor iniciante seria apresentar um volume fechado para dominar os recursos de texto — enfim, segurar a ambição. Infelizmente, o meu romance ficou grande demais e será dividido em três volumes, então acabei criando sem querer uma trilogia... mas já estou quase terminando a versão bruta do que seria o segundo volume, enquanto o primeiro já está sendo examinado editorialmente. Tenho certeza de que ele sairá ainda este ano. Quanto à trama, a história se foca em dois pilotos novatos da Brigada Ligeira Estelar, que são envolvidos em um ardil conspiratório e precisam se instalar, sob o comando da inteligência militar, em um dos mundos do Cabo do Sabre, aonde ocorre uma conspiração que terá consequências graves para toda a constelação. Já adianto que será uma história bem movimentada e com muitos combates.

Livro básico para quem pretende se aventurar no cenário de Brigada Ligeira Estelar.
E você, já conhecia o autor? Pegou boas dicas de animes? Está empolgado com a futura trilogia de livros? Comente!

Uma pessoa que tentou ser ninja, samurai, power ranger, detetive consultor e mosqueteiro, mas quando percebeu que não conseguiria ser nada disso se tornou um professor de matemática amante de livros, quadrinhos, cinema, seriados, games e mais coisas que muitas pessoas consideram inútil, inclusive a matemática.


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