Ainda está para nascer algum animal mais asqueroso e odioso que aranhas. Não é de hoje que em publicações literárias e em diversos filmes estes bichos estão associados com o inferno ou o mal. Contudo, em seu conto para a coletânea Boy's Love, da Editora Draco, Márcia Souza resolveu rever a imagem destes seres.
Em uma escrita fluida, Márcia conta-nos em poucas páginas a história de um lugar mágico e fantasioso, onde vilarejos com poderes mágicos existem em harmonia com seres especiais e misteriosos. Mas também, neste mundo de maravilhas, encontra-se a pobreza, escassez de alimentos e magos malvados que matam tudo e todos para se alimentar da energia e viver eternamente. Isso demonstra que, apesar do pouco espaço para elaborar a história, é possível criar a empatia com o público (fator, este, que faltou para A Última Troca, conto da mesma coletânea que já resenhamos por aqui).
O personagem principal é Ravin. Ele é um jovem garoto que nutre uma paixão por seu amigo Draude - um misterioso rapaz de origem desconhecida. Nem mesmo Ravin, seu melhor amigo, sabe dizer onde ele vive, com quem vive e para onde vai durante grande parte dos meses do ano. A paixão entre os dois é mostrada com delicadeza e inocência. Os jovens dão as mãos e, em determinado momento, se beijam. Não há espaço para dramas ou revolta por parte do vilarejo: o universo criado por Márcia Souza é mais evoluído que a nossa sociedade atual e uns amam os outros como são.
Ravin tem uma irmã. Ela é uma das mais lindas donzelas do vilarejo e tem um poder especial passado de geração a geração. É um dom, mas que também age como uma maldição: por seus poderes depender da pureza de seu coração, ela jamais poderá se apaixonar e entregar. Esta é a punição que deve pagar pelo um bem maior, por doar-se ao bem de todos do vilarejo.
O personagem Draude. Imagen: Divulgação Editora Draco |
Em uma certa noite, Ravin acorda e percebe que a irmã sumiu. Ele acorda todo o vilarejo que parte em busca da menina. Em pouco tempo descobrem onde ela está: às margens da floresta. O vestido, outrora branco, está manchado com o sangue que jorra de seu corpo e cabeça. Ela está morta. Acima da donzela encontra-se uma aranha gigante branca, com as patas sujas do sangue da irmã de Ravin.
Dominado pelo ódio, Ravin promete vingar-se das aranhas e matar todas elas. A situação só piora quando Ravin percebe que sua paixão, e amigo, Draude, também está em perigo. Por isso, o garoto entra na floresta em busca de vingança, mesmo que isso custe sua própria vida.
A trama de A Floresta Branca é muito boa. As infantilidades de Ravin são baseadas na idade do personagem, tornando sua cabeça dura (e, por muitas vezes, lerdeza) reais. A paixão por Draude é feita de forma inocente e que passa legitimidade. O conto não é forçado. A escrita é fluida e os argumentos para os acontecimentos, por mais bizarros que alguns possam parecer, são o suficiente para o leitor. Contudo, a estrutura do texto deixa a desejar. Algumas passagens no tempo deixam o enredo confuso e não é apenas uma vez que paramos de ler e nos perguntamos: "O que está acontecendo aqui?". Há um grande volume de informação a cada parágrafo e cabe ao leitor elaborar e entender o que está acontecendo, digerindo tudo muito rapidamente.
O maior problema de A Floresta Branca, no entanto, é a falta de espaço para explorar melhor a trama e causar aos leitores paixão em seus personagens. Quando a irmã de Ravin some, não sofremos junto com o personagem. Há um sentimento de dó por ele, mas não é possível sentir que perdemos um personagem importante. O romance com Draude, apesar de inocente e bonito, é desconexo com o resto da trama. É quase como se fosse colocado ali apenas para atender ao critério da coletânea de obrigatoriamente ter um casal no enredo. Não sentimos o amor e quase nada da amizade.
Explorando melhor a trama, mostrando o contexto histórico e explorando melhor as personagens - vilões, heróis e aranhas - o conto pode se tornar algo que fique por mais tempo em nossa mente, ao invés de ser apenas um conto bonzinho que lemos enquanto aguardamos na fila do banco.