Quadrinhos

Crítica: Cavaleiro da Lua, vol. 1 — um despretensioso recomeço

O primeiro volume das aventuras de Marc Spector introduz gradualmente um personagem pouco conhecido sem se comprometer com grandes tramas.


É uma boa época para ser leitor da Marvel. Com todas as adaptações para telonas e telinhas pipocando pelo Universo Cinemático da empresa, heróis de maior e menor porte dão as caras a um público inteiramente novo. Por mais que sempre houvesse uma parcela de leitores mais ávidos, capazes de mencionar religiosamente personagens obscuros e passagens marcantes da história dos quadrinhos, esse nicho de mídia parece ter há muito perdido mercado para as formas mais mainstream de entretenimento.


A proposta do MCU, de apresentar diversos personagens e incentivar o transmídia ,permitiu, por outro lado, que suas franquias no audiovisual contribuíssem para a revitalização de suas linhas de quadrinhos. Ao vermos nas telas desde os populares Vingadores aos relativamente desconhecidos Jessica Jones e Homem-Formiga, pode-se acreditar que a época para os fãs de quadrinhos vem se tornando crescentemente frutífera — e podemos esperar por ainda mais.

É nessa época, afinal, que podemos esperar pela tradução e publicação no Brasil de heróis que não são considerados populares A-List; personagens de popularidade abundante que dispensam apresentações. É o caso de figuras como os membros dos Vingadores, o Homem-Aranha, os X-Men e similares, já bastante entranhados no imaginário da cultura pop, com nomes que se vendem praticamente sozinhos. Se estes marcariam o mercado a qualquer momento, é em um nicho mais obscuro, mas talvez mais feliz em tempos como este, que podemos descobrir personagens menos conhecidos como o Cavaleiro da Lua.

E quem é esse "Cavaleiro da Lua"?

Às vezes conhecido como o "Batman da Marvel" por partilhar de certos traços do herói, a história dessa figura se diferencia em diversos outros aspectos — inclusive uma abordagem sobrenatural.

As origens do Cavaleiro da Lua, não abordadas profundamente e só explicadas por cima neste primeiro volume do arco da Nova Marvel do personagem, envolvem traição, morte e a ajudinha inesperada de um deus obscuro. Marc Spector era um ex-fuzileiro tornado mercenário que, em uma primeira tentativa de defender inocentes, acabou deixado para morrer em plena expedição no Egito. No entanto, não estava tudo perdido: o deus lunar Khonshu lhe oferece uma nova chance de viver, caso aceite agir como o avatar dele na Terra.


Naturalmente, ele aceita. Nasce, então, um vigilante das noites... com três identidades secretas. Tendo ficado rico ao investir seu dinheiro da época de mercenário, Spector não apenas cria uma nova persona, de uma espécie de playboy milionário, mas, também, vai criando mais facetas de si mesmo e perdendo a noção de identidade, considerando a si próprio um caso de transtorno dissociativo de identidades — a clássica síndrome das múltiplas personalidades.

Eis um vigilante às vezes desorientado, às vezes brutal, que faz da noite seu palco e não poupa esforços — ou violência — para atingir seus objetivos. Como Khonshu também é deus dos que viajam à noite, o Cavaleiro da Lua assume como parte de seu papel proteger aos inocentes que vagam à luz da lua. E, nessa obra que o traz ao selo da "Nova Marvel", assinada por Warren Ellis, ele está de volta a Nova York.

Uma introdução morna

O primeiro volume da série de 2014, escrita por Ellis e ilustrada por Declan Shalvey, traz uma espécie de retorno e recomeço para o personagem: voltando a Nova York após passar temporadas em Los Angeles, onde se ambientavam suas últimas histórias, Spector assume duas personas distintas: o próprio Cavaleiro da Lua, a figura de capuz e capa, que assume as lutas contra inimigos sobrenaturais e explora a noite com seu helicóptero autopilotado; e o "Sr. da Lua" ("Mr. Knight", no original), uma figura mascarada em um terno todo branco, que auxilia a polícia na resolução de casos, combatendo o crime mais mundano.

O livreto é uma compilação dos seis primeiros fascículos da run de Ellis e, como a estreia do personagem no selo da Nova Marvel, funciona como uma espécie de introdução para quem o desconhece. É facilmente notável que Spector já carrega certa bagagem nas costas, mas, pela própria natureza de seu retorno e de suas histórias, o leitor de primeira viagem aqui se encontrará facilmente. O volume, afinal, explica rapidamente a história pregressa e origem do Cavaleiro da Lua, e os fascículos mais avançados indicam como deixou para trás os amigos que o acompanhavam em anos anteriores. Esta aqui é, mais do que tudo, uma oportunidade de passar um histórico a limpo e permitir que o iniciante pegue este primeiro gostinho do nosso protagonista.

Gostinho que, no entanto, se limita a isso mesmo. As seis histórias são desconexas e não formam uma espécie de marco maior, cada uma se resumindo a "o Cavaleiro da Lua enfrenta uma nova ameaça". Esse formato, bastante popular como monster of the week, ou "monstro da semana", tem seus prós e contras: se por um lado é benéfico pois se concentra em histórias fechadas, sem forçar o leitor a correr atrás da continuação, por outro reduz bastante as possibilidades narrativas das histórias, que devem apresentar e encerrar os acontecimentos em um espaço bastante limitado.
O "Batman da Marvel" não se faz de rogado quando o assunto é violência
A arte apresentada é digna de nota: o protagonista, ao ser desenhado por Shalvey, é completamente descolorido devido à sua escolha de roupas, causando um contraste entre sua figura pintada de preto e branco com os fundos e demais personagens coloridos. Esse contraste serve tanto para destacá-lo (afinal, ele gosta de ser visto chegando pelos seus inimigos) quanto para colocá-lo em um nível de estranheza, como se sua figura não pertencesse inteiramente aos quadros em que aparece; quadros esses que, muitas vezes, mostram-se rasgados por lâminas em formas de lua, como a que o herói usa para imobilizar ou ferir seus oponentes.

Pois ele, logo se vê, é uma figura que se encaixaria facilmente nos seriados do MCU em parceria com a Netflix. Tomando como referências a série do Demolidor e Jessica Jones, a abordagem violenta do Cavaleiro da Lua mostra sua correspondência. Seu interesse é em terminar a luta o mais rápido possível, não poupando-se de jogar inimigos de três andares de altura ou bater com um taco de beisebol em seus rostos, caso seja necessário. É uma consequência das vontades de Khonshu, que prefere uma abordagem sanguinária para com quem atravesse seu caminho, e vemos como isso se reflete nas lutas, rápidas e brutais, que o personagem trava.

Mas, no final das contas, as histórias desse primeiro volume de Cavaleiro da Lua acabam servindo realmente como uma introdução (ou reintrodução) ao personagem, que conta com novas características para os que já acompanhavam o herói (como a persona do Sr. da Lua ou sua predileção pelo trabalho solitário). Ao mesmo tempo, porém, mostra aos novos leitores o que faz desse protagonista relativamente desconhecido um herói que vale a pena acompanhar.

Agora é ficar no aguardo do segundo volume, para ver se, dada essa introdução, essa estranha figura chamada o Cavaleiro da Lua tenha algo a mais a nos oferecer.



Editor por formação e profissão, faz dos livros seu ofício e dos jogos seu lazer.


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